Pode parecer surreal, mas estamos viciadas numa droga: a pílula anticoncepcional
Continuação desse texto.
Mas, se a pílula não é o melhor contraceptivo, porque esse consumo obsessivo?
Já faz um bom tempo que a indústria farmacêutica sabe que o fator contraceptivo não é o grande diferencial da pílula. Isso porque, como vimos no último post, são diversos os métodos contraceptivos existentes – e a eficácia deles é muito similar. Para o seu próprio bem, a indústria escolheu focar nos chamados efeitos secundários da pílula para transformá-la em um medicamento de uso “obrigatório” para a mulher moderna.
A pílula anticoncepcional passou, então, a fazer parte dos chamados “medicamentos de bem-estar” (Lifestyle Drugs), drogas voltadas a questões que não ameaçam a vida ou trazem dor, mas que apresentam efeitos “desejáveis” ao usuário – e são legalmente prescritas e vendidas. Como qualquer outro produto, a chave do sucesso destes medicamentos é despertar a necessidade deles.
Provocar a sensação de ausência ou de deficiência do corpo, portanto, é fundamental para o mercado dessas drogas.
No caso da pílula, patologizam-se os efeitos das variações hormonais naturais do ciclo menstrual. Ou seja: a pílula é o remédio que vai corrigir o irregular, doente e incompleto corpo da mulher. Ser mulher é um pesadelo que precisa de tratamento.
As indicações da pílula vão, portanto, muito além da contracepção. Ela é a solução do problema de ser mulher: inchaço, acne, variações de humor, cólicas, a terrível síndrome dos ovários policísticos*, e mesmo a menstruação, são os sintomas a ser combatidos.
Claro que os sintomas são reais e impactam a vida de boa parte das mulheres. Mas, ao amenizar esses sintomas, a pílula não está tratando os problemas em sua origem: ela os mascara. A suspensão do ciclo hormonal natural causada por esse medicamento realmente melhora os sintomas dos desequilíbrios hormonais, mas não trata a causa dos problemas – tanto que eles reaparecem, com mais força, quanto paramos de tomar pílula. E isso pode ter consequências graves – para mulheres com SOP, por exemplo, significa uma enorme barreira para a gravidez. Para as outras, a dependência de um medicamento que traz riscos à saúde.
A introdução dos hormônios sintéticos bloqueia a função ovariana e impede a ovulação. Com isso, suspendem-se os sintomas mas também as funções dos hormônios naturais, que vão muito além da fertilidade em si.
Estima-se que a pílula intervém em mais de 100 funções do corpo feminino.
Entre os riscos mais famosos da pílula, estão os cardiovasculares, que incluem trombose, embolia pulmonar, AVC e ataque cardíaco; além do câncer de mama, de fígado, cervical, entre outros. Mas também existem outros efeitos colaterais, menos falados, que permeiam as discussões entre amigas e os consultórios médicos, e estão presentes na vida de quem toma pílula – e muitas vezes nem suspeita dela.
O uso da pílula antes dos 20 anos dobra o risco de câncer de mama.
Depressão, baixa ou nenhuma libido, dor de cabeça, tontura, alterações de humor, náusea, dor nas mamas, fadiga, dificuldade em desenvolver músculos. Deficiências nutricionais. A lista de impactos é enorme e a resposta dos nossos médicos costuma ser a mesma: troque a pílula. Mas, como falamos, a fórmula dos contraceptivos hormonais tem a mesma base**, e a origem dos problemas está justamente nos hormônios sintéticos, que são usados também no anel vaginal, no DIU hormonal, no adesivo e na injeção.
As mulheres que usam contracepção hormonal têm 2x mais depressão.
Um dos principais motivos para o abandono da contracepção hormonal é seu impacto sobre a saúde emocional – discussão que incide sobre a nossa autoconfiança, e por vezes passa como frescura para os que estão à nossa volta. Começando com 14 ou 15 anos, será que aos 25 ou 30 podemos imaginar como seríamos sem a pílula?
A questão é: não precisamos ser dependentes da pílula! Já passou da hora de parar de tomar esse remédio como se fosse água.
Não sou médica e minha intenção aqui é alertar para esse consumo impensado, a ideia da pílula-para-todos-os-problemas. Nenhum medicamento serve para todas, e nossa fertilidade não é uma doença. Há várias maneiras de lidar com os picos e vales dos hormônios com mais naturalidade, aceitação e protagonismo. É preciso conhecer outros métodos contraceptivos e terapias alternativas, aprender a ouvir nosso corpo e entendê-lo, afastando a ideia de ele está em descontrole. Essa pode ser uma experiência transformadora… Mas isso é assunto para outros posts!
P.S.: O objetivo desse texto é informar e questionar, nunca julgar a livre escolha de contracepção. Todo mundo tem direito de escolher o método contraceptivo (e de tratamento) que preferir.
Para saber mais:
1 How the Pill Became a Lifestyle Drug. American Journal of Public Health, 2015 2 Sweetening The Pill, 2013 3 The Pill Problem, 2013 4 Manual de Orientação Anticoncepção FEBRASGO, 2010 4 Planejamento familiar: um manual global para profissionais e serviços de saúde 5 The Pill: Are you sure it’s for you?, 2008
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